terça-feira, 6 de novembro de 2012

Como mulher supera a perda do filho e muda rotina de bairro através da corrida - O Corretor Corredor

Apaixonada por atletismo ela treina 300 pessoas em local pobre de São Paulo, realiza sonho do filho assassinado e vê projeto ser premiado fora do país

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7 de setembro de 2000. O jovem Marcos dos Santos Silva, aos 21 anos, é assassinado durante assalto cometido por um adolescente. O fato mudaria não somente a realidade de sua família, mas de toda uma comunidade: a partir daquele dia, o bairro do Capão Redondo, na região sudoeste de São Paulo, seria apresentado ao Vida Corrida. O projeto social é comandado por sua mãe, Marineide, já foi premiado fora do país, engloba 300 pessoas e cresceu a partir do sonho de seu filho perdido.
Natural de Porto Seguro, na Bahia, a decoradora de interiores Marineide dos Santos Silva sempre gostou de esportes. Desde a infância, as aulas de educação física representaram o momento em que ela extravasava o jeito tímido e calado, mas “elétrico”. Durante um campeonato colegial, uma das garotas que disputaria o revezamento 4x100m faltou, e Neide, que era atleta do handebol, foi a substituta. Ali começava uma relação íntima e inabalável com o esporte. “Amor à primeira vista”, como define a popular Neide Santos.

Neide Santos: animação total durante as corridas de rua
Foto: Divulgação/Vida Corrida)

Estabelecida no Capão Redondo há 43 anos, Neide iniciou o projeto Vida Corrida em 1999. Seis mulheres da comunidade pediram que ela as orientasse em suas atividades físicas, e a decoradora-atleta aceitou prontamente, utilizando o Parque Santo Dias como centro de treinamento. Os equipamentos, como colchonetes e halteres, eram construídos ou adaptados pelas próprias corredoras. Um mês depois, o projeto já contava com 30 mulheres.
O grupo era restrito ao sexo feminino. A intenção de Neide era preparar as alunas para correrem a São Silvestre, mas havia um apelo para que as crianças também participassem. O filho Marcos era um dos maiores incentivadores da ideia, mas o tempo restrito da professora impossibilitava a chegada de novos membros. O assassinato do rapaz, no entanto, mudou sua vida e sua maneira de pensar.
"Foi difícil continuar meu trabalho. Fiquei afastada por dois meses. Era muito difícil encarar tudo, as pessoas com quem eu convivia. Perder meu filho foi cruel demais. Fiquei pensando em tudo o que ele me disse e decidi fazer um teste. Queria mudar a vida das crianças da comunidade. Acho que consegui" - afirmou, em entrevista ao Globo Esporte.
20 anos antes, Neide havia passado por episódio semelhante: o primeiro marido, Edson Pereira, suspeito de um assalto, não obedeceu à voz de comando de um policial militar e acabou morto pelo oficial. A história até hoje intriga a líder do Vida Corrida, que atualmente está divorciada. As dificuldades para fundar o projeto não passaram somente por problemas pessoais, mas também pelos mais diversos tipos de preconceito.
"No começo, eu era a única que treinava na comunidade e recebia muitas críticas. Alguns me perguntavam por que eu usava shorts são curtos, outros diziam que eu deveria cuidar do meu marido, pilotando fogão, tanque de lavar roupas... Eu era tratada como vagabunda. Mas minha vida continuou e hoje o projeto social é um orgulho" - contou.
Anteriormente conhecida por altos índices de violência, a região do Capão Redondo, uma das mais populosas da cidade de São Paulo, vem ganhando destaque pelo número de opções culturais proporcionadas pelo trabalho de ONGs e associações, que fizeram a média de homicídios cair. Ainda assim, os problemas continuam: em pesquisa realizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) no ano passado, o Capão obteve índice de 47,12 óbitos por homicídio de jovens do sexo masculino (de 15 a 29 anos) – a média da capital paulista é de 26,52.
Parque Santo Dias: reduto do projeto em São Paulo, repleto de crianças
(Foto: Divulgação/Vida Corrida)

A rotina de Neide Santos é de corrida, em todos os sentidos. Embora continue exercendo a profissão de decoradora de interiores, em parceria com duas arquitetas, ela hoje trabalha em tempo reduzido, dedicando a maior parte de seu dia aos alunos. Utilizar o projeto como forma de renda, porém, está completamente fora de cogitação. Os ideais que consolidaram o grupo em seu início se mantêm intactos.
"Hoje sou freelancer, ganho apenas pelos trabalhos que executo, mas acabo faltando bastante. Do mesmo jeito, nunca quero viver financeiramente do Vida Corrida. Se eu aceitasse qualquer coisa nesse sentido, iria contra tudo pelo que ele surgiu e pelo que existe hoje. Não seria mais o projeto social que eu criei. Nenhuma criança pagará nada para treinar, nunca" - assegurou.
Deixar o bairro do Capão Redondo também não é uma alternativa. Radicada em São Paulo desde 1967, Neide, que vai completar 52 anos no próximo dia 10 de novembro, admitiu que às vezes se assusta com os altos índices de violência e com presença constante da comunidade nos setores policiais do noticiário. Ainda assim, prefere se empenhar na luta por um local melhor em vez de transferir o projeto para ponto da capital. O elo com os habitantes é grande e ressaltado diversas vezes pela professora.
"Sem demagogia, eu já tive várias oportunidades de sair daqui. Mas não quero. O Capão é meu canto, aqui que eu tenho de ficar. Minha missão é aqui. Não mudaria por nada nesse mundo, nem se fosse para morar no Morumbi. Não tem nada a ver comigo. Mesmo se ganhasse na loteria, continuaria ajudando as pessoas e ampliando o projeto. Meu último suspiro tem de ser aqui."
Com mais de 300 participantes, o grupo hoje engloba atletas de quatro a oitenta anos. Através da Associação Projeto Vida Corrida, Neide Santos realiza palestras motivacionais, treinamentos e luta pelo aumento constante da responsabilidade social em São Paulo. Já foram realizadas campanhas de doação de sangue e alimentos, além da fundação de uma biblioteca, acessível à toda a comunidade.

Neide, em seminário durante o World Bike Tour, em Portugal
(Foto: Divulgação/Vida Corrida)

O reconhecimento veio de diversas formas: em 2009, a idealizadora do projeto o inscreveu em um concurso promovido pela marca esportiva Nike, cujo tema era “mulheres virando o jogo no esporte”. O Vida Corrida concorreu com ideias capitaneadas por figuras como as ex-jogadoras de voleibol e basquete, respectivamente, Ana Moser e “Magic Paula”. Venceu, e a marca norte-americana tornou-se patrocinadora, colaborando com equipamentos.
Neste ano, o projeto foi eleito a melhor ação social do estado de São Paulo, na 10ª edição do Prêmio Anu, que contempla trabalhos de instituições, fundações, empresas, indivíduos e ONGs. Ganhou também outro concurso, promovido em mais de 60 países pela marca americana Gamechangers, que viabilizará a construção de uma sede voltada aos atletas e aos trabalhos sociais da associação.

Mãe de Lidia, de 28 anos, e Marcelo, de 30, Neide não limita sua família ao espaço do pequeno apartamento em que vive na Cohab (Companhia de Habitação Popular). O Parque Santo Dias e todos seus frequentadores diários, que chamam a fundadora do projeto de "Anjo", tornam a diretora da associação uma "segunda mãe" no local.

"Imagina quando tivermos um teto, o barulho que vamos fazer? Sou suspeita para falar, mas conheço inúmeros projetos, e o Vida Corrida é único. Essa comunidade se tornou minha família. Eu teria inúmeros motivos para sair daqui, mas tenho uma arma mais forte que qualquer outra: o dom do perdão. Pelo menos um grão de areia eu estou mudando nesse mundo" - afirmou.
Barulho, solidariedade, união... No coração do Capão Redondo, o grão de areia do Vida Corrida se multiplica a cada dia. 

Capão no peito: Neide sempre representa a comunidade
(Foto: Divulgação/Vida Corrida)

4 comentários:

  1. INTERESSANTE ESTA HISTÓRIA DE VIDA , NOS MOTIVA A NUNCA DESISTIR DOS NOSSOS IDEAIS.

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  2. Maravilhoso trabalho da Dna Neide. É o mundo digo o Brasil precisa muito de pessoas como ela. Fico muito feliz em saber deste Projeto aqui no nosso estado de SP. Que DEUS a abençoe e de muita força todos os dias da sua vida para estar ajudando estas pessoas estas crianças a ter um caminho melhor no Esporte e com muita SAUDE. Parabens Dna NEIDE pelo trabalho e ao nosso amigo O CORRETOR CORREDOR pela divulgação deste seu trabalho.

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  3. Conheço esse anjo pessoalmente e posso garantir a todos vocês, o Vida Corrida é o sucesso que todos podem constatar no texto acima principalmente por ter a Neide a sua frente. Oxalá existissem mais Neides no Capão Redondo, em São Paulo, no Brasil! A história do nosso país certamente seria outra, muito melhor! Parabéns Corretor Corredor, pelas belas palavras e pela homenagem a esta rainha!

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  4. Este é um lado do esporte que quem vivencia aprende muito, as pessoas em sim quando falamos em correr só perguntam "voce corre a maratona da São Silvestre?" nos emociona este trabalho de pessoas selecionadas por Deus....

    Abraços muito instrutivo seu blog parabéns !!!!

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