Roberto Itimura não tem medo da morte e faz do esporte um
trabalho de inclusão social e sociabilização
A mensagem de que os obstáculos na vida surgem para serem superados foi levada
ao pé da letra por Roberto Itimura, de 52 anos. Coordenador e programador de
manutenção de uma multinacional do setor químico, ele aprendeu a gostar de
caminhar e de correr (já participou de maratonas, inclusive) por recomendação
médica, após sofrer três enfartes em menos de dois anos. Hoje, o bem-humorado
Itimura integra o grupo "Running Jundiaí",
que tem 595 membros e ajuda iniciantes e cadeirantes a praticar esporte da
forma correta, para que tenham qualidade de vida e superem os obstáculos.
A
história de obstinação de Itimura começou quando ele tinha 16 anos. E com um
grande susto. Nascido em Penápolis, no interior paulista, mora em Jundiaí há 44
anos, ao lado da esposa e das três filhas, e adora a cidade, mas quando era
adolescente foi vítima de um acidente que mutilou sua mão direita e quase lhe
deixou cego. Ele desmontou uma bomba de São João e colocou a pólvora dentro de
um vidro, fazendo um artefato. Foi então jogá-lo e a bomba explodiu na altura
do rosto. Itimura teve a mão ferida e ficou com 120 pequenos cacos de vidro nos
olhos, extraídos em cirurgias ao longo de meses de recuperação. "Pior do que tudo isso foi a
entrada de enxofre na corrente sanguínea. Na noite em que fui internado, os
médicos praticamente me condenaram à morte. Inchei muito em decorrência da
substância no organismo e tive partes do corpo pretejando. Acabei desenganado e
a minha família, aconselhada a rezar", contou.
Católicos,
os pais de Itimura fizeram correntes de oração. Horas depois, o enxofre começou
a sair do corpo do rapaz, que passou a desinchar. Se isso ocorresse, segundo os
médicos, ele seria operado. "Meu tio não deixou que amputassem a minha mão em Jundiaí e eu fui
levado ao Sírio Libanês, em São Paulo, para que se tentasse reconstruí-la. Fui
atendido por um médico especialista em mãos e operado. Foram seis meses de
várias intervenções e hemodiálises, já que meu sangue precisou ser quase todo
filtrado",
lembrou. Todo o trauma pelo incidente com a bomba durou cerca de um ano
e meio.
A
maior consequência para o tímido Itimura foi isolar-se do mundo de vez. Os
rapazes da idade dele queriam mais era sair, mas Itimura permanecia em casa,
assistindo filmes na TV. "Às vezes, minha família me obrigava a sair e eu ficava com a mão
no bolso. Se uma área do local em que estava tinha muita gente, escolhia outro
canto para permanecer. Na escola, ficava sempre encostado na parede do lado
direito da classe, para esconder a mão atrofiada", lembrou.
O
coordenador e programador de manutenção demorou para adaptar-se à vida de
canhoto. "Levei um ano e
meio para me acostumar a escrever com a mão esquerda e devo isso ao contador da
empresa de meu tio. Era o Romeu Piza, que me incentivou a fazer escrita fiscal
usando caneta tinteiro. O trabalho era feito em um livro e exigia todo capricho
de minha parte."
Itimura
não praticava esporte e chegou a pesar 117 quilos com 18 anos. Admite que, no
futebol, sempre foi uma negação. "Aliás, japonês para jogar bola é horrível (risos). É bom para
pingue-pongue... Pratiquei futsal para me enturmar, mas era o último a ser
escolhido. Geralmente ia para o gol", brincou o corredor.
Mas
o esporte fazia parte do cotidiano dele. Sempre apreciava a corrida de São
Silvestre pela TV, todo dia 31 de dezembro. Praticar não era com ele, que logo
tirou carteira de motorista. "Isso sim me ajudou. Eu já dirigia carro e até trator no sítio de
minha família. A mão mutilada não me atrapalhou. A partir daí, saía mais de
casa. Trabalhava com um ajudante na rua, fazendo a parte mais burocrática, e o
ajudante, o serviço braçal."
Nesta
época, o futuro corredor passou a frequentar mais a igreja messiânica, onde
conheceu sua esposa. Eles se casaram e tiveram três filhas, hoje com 30, 28 e
18 anos. "Minha esposa me
deu muita força para vencer o problema que tinha na mão. Foi o início de minha
saída do “cantinho”. Eu era introspectivo e depois do incidente da bomba isso
aumentou. Minha esposa me provou que eu não era rejeitado. Emagreci bastante,
ficando com cerca de 80 quilos. Estava com a autoestima baixa e superei tudo isso", comemorou.
Reportagem
de Paulo Behr Ferro para o JJ Regional publicada em 25/01/2014